Mauro Ferreira no G1

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segunda-feira, 1 de novembro de 2010

Reedições reiteram a força perene do conjunto da obra da Legião Urbana

Resenha de Caixa de CDs
Título: Legião Urbana
Artista: Legião Urbana
Gravadora: EMI Music
Cotação da caixa: * * * *
Cotação dos álbuns: Legião Urbana (* * * * *) Dois ( * * * * *)  Que País É Este? (* * * *)  As Quatro Estações ( * * * * ) V ( * * * *) O Descobrimento do Brasil (* * * 1/2) A Tempestade (* * *) e Uma Outra Estação (* * 1/2)

É paradoxal que uma obra semeada em contexto tão específico - o conturbado cenário pós-punk de Brasília em 1982 - tenha adquirido caráter atemporal com o passar dos anos. Contudo, a atual reedição dos oito álbuns de estúdio da banda Legião Urbana (1982 - 1996) reitera a perenidade e a força de um cancioneiro que transcendeu seu tempo e lugar originais, se transformando numa das marcas mais emblemáticas do rock brasileiro de todos os tempos. O som daqueles jovens burgueses sem religião tem atravessado gerações, tocando ainda hoje corações e mentes de filhos e netos da revolução. E basta (re)ouvir os oito álbuns oficiais do grupo de Renato Russo (1960 - 1996), Dado Villa-Lobos e Marcelo Bonfá para entender a razão de tamanha empatia popular. Relançados em vinil e em CD (estes vendidos de forma avulsa ou embalados na luxuosa caixa Legião Urbana), os discos tocam em questões e feridas universais.

Para quem já comprou a lata Por Enquanto, lançada em 1995 com os seis primeiros álbuns da banda, um aviso: a remasterização das atuais reedições é a mesma de 1995 - único dado que depõe contra a coleção, já que a técnica de remasterização passou por significativa evolução nos últimos 15 anos. Em contrapartida, as atuais reedições - tanto em vinil como em CD - foram turbinadas com fotos inéditas (a maioria tirada pela banda nas entrevistas concedidas para promover os discos) e textos escritos pela jornalista Christina Fuscaldo sobre a concepção e gravação de cada disco. Com o detalhe, importante para os colecionadores de vinil, de que os dois últimos álbuns da banda - A Tempestade (1996) e Uma Outra Estação (1997) - até então eram inéditos no formato de vinil e, como já tinham originalmente um maior número de faixas, ambos estão sendo relançados na forma de LP duplo (duas relíquias para fãs da banda).

Em qualquer formato, os oito discos resistem bem ao tempo. Legião Urbana (gravado em 1984, mas lançado em janeiro de 1985) traduz bem o angustiado estado de espírito da juventude brasiliense da primeira metade dos anos 80, asfixiada pelo poder ditatorial dos militares que governavam o Brasil. Músicas como Será, Geração Coca-Cola, Ainda É Cedo, Soldados e Por Enquanto expõem esse estado de desolação juvenil. Era preciso buscar uma saída. E, para Renato Russo, a saída foi focar nas questões afetivas, mote do cancioneiro de Dois (1986), o segundo arrebatador álbum da Legião. É quando a banda adota um som mais calmo - já distanciado da virulência punk - que renderia sucessos radiofônicos como Índios, Eduardo e Mônica e a smithiana Tempo Perdido, três temas que entrariam para o rol de clássicos da banda ao lado de Quase sem Querer. Na sequência, em 1987, Que País É Este (1978 - 1987) retoma a defesa da ética na esfera pública, mas, a rigor, apesar de músicas como Eu Sei e Faroeste Caboclo terem soado como novas, trata-se de acerto de contas da banda com seu passado punk. O disco é antologia de músicas da banda Aborto Elétrico (1978 - 1982) e da breve fase solo de Russo como Trovador Solitário - músicas agrupadas e revividas em gravações inéditas feitas naquele ano de 1987 - que serviu para que a Legião cumprisse a obrigação contratual de lançar um álbum por ano e ganhasse tempo para compor o repertório de As Quatro Estações (1989), outro álbum arrebatador que retoma o tom contemplativo de Dois. Foi quando Russo, já se tornando uma espécie de Messias do pop brasileiro, pôs Deus no meio da discussão. Há Tempos, Monte Castelo e Pais e Filhos foram destaques de repertório recheado de citações bíblicas. Foi também quando Russo começou a dar pistas claras de sua homossexualidade na letra de Meninos e Meninas. Dado que já estaria implícito no cancioneiro do depressivo álbum seguinte, V (1991), trabalho marcado pela descoberta do vocalista de sua contaminação pelo vírus da Aids e pela revolta contra o confisco da poupança dos brasileiros pelo Plano Collor. O Teatro dos Vampiros, Vento no Litoral (símbolo da tristeza que pontua o álbum) e O Mundo Anda Tão Complicado (canção singela em que a relação a dois é o abrigo protetor) são destaques de repertório que ainda merece ser redescoberto. Na sequência, O Descobrimento do Brasil (1993) foi a tentativa da banda de conciliar a pegada roqueira do glorioso passado com os tons contemplativos do presente de então. Contudo, o álbum já expôs os primeiros sintomas de uma anemia criativa que se aprofundaria nos posteriores A Tempestade (1996) e Uma Outra Estação (1997), editados com intervalo de um ano, mas, a rigor, frutos das mesmas sessões de estúdio. Mas vale ressaltar que figura em A Tempestade uma das mais belas canções românticas da banda, Quando Você Voltar, resgatada por Leila Pinheiro neste ano de 2010 no CD em que aborda a obra de Russo. Mesmo que os três últimos discos não ostentem o alto nível de inspiração dos cinco primeiros, o conjunto da obra da Legião Urbana é digno de aplausos e, por sua forte personalidade, permanece como exemplo para grupos atuais que logo se deixam enquadrar no padrões assépticos ditados pelo mercado.

10 comentários:

Mauro Ferreira disse...

É paradoxal que uma obra semeada em contexto tão específico - o conturbado cenário pós-punk de Brasília em 1982 - tenha adquirido caráter atemporal com o passar dos anos. Contudo, a atual reedição dos oito álbuns de estúdio da banda Legião Urbana (1982 - 1996) reitera a perenidade e a força de um cancioneiro que transcendeu seu tempo e lugar originais, se transformando numa das marcas mais emblemáticas do rock brasileiro de todos os tempos. O som daqueles jovens burgueses sem religião tem atravessado gerações, tocando ainda hoje corações e mentes de filhos e netos da revolução. E basta (re)ouvir os oito álbuns oficiais do grupo de Renato Russo (1960 - 1996), Dado Villa-Lobos e Marcelo Bonfá para entender a razão de tamanha empatia popular. Relançados em vinil e em CD (estes vendidos de forma avulsa ou embalados na luxuosa caixa Legião Urbana), os discos tocam em questões e feridas universais.

Para quem já comprou a lata Por Enquanto, lançada em 1995 com os seis primeiros álbuns da banda, um aviso: a remasterização das atuais reedições é a mesma de 1995 - único dado que depõe contra a coleção, já que a técnica de remasterização passou por significativa evolução nos últimos 15 anos. Em contrapartida, as atuais reedições - tanto em vinil como em CD - foram turbinadas com fotos inéditas (a maioria tirada pela banda nas entrevistas concedidas para promover os discos) e textos escritos pela jornalista Christina Fuscaldo sobre a concepção e gravação de cada disco. Com o detalhe, importante para os colecionadores de vinil, de que os dois últimos álbuns da banda - A Tempestade (1995) e Uma Outra Estação (1996) - até então eram inéditos no formato de vinil e, como já tinham originalmente um maior número de faixas, ambos estão sendo relançados na forma de LP duplo (duas relíquias para fãs da banda).

Mauro Ferreira disse...

Em qualquer formato, os oito discos resistem bem ao tempo. Legião Urbana (gravado em 1984, mas lançado em janeiro de 1985) traduz bem o angustiado estado de espírito da juventude brasiliense da primeira metade dos anos 80, asfixiada pelo poder ditatorial dos militares que governavam o Brasil. Músicas como Será, Geração Coca-Cola, Ainda É Cedo, Soldados e Por Enquanto expõem esse estado de desolação juvenil. Era preciso buscar uma saída. E, para Renato Russo, a saída foi focar nas questões afetivas, mote do cancioneiro de Dois (1986), o segundo arrebatador álbum da Legião. É quando a banda adota um som mais calmo - já distanciado da virulência punk - que renderia sucessos radiofônicos como Índios, Eduardo e Mônica e a smithiana Tempo Perdido, três temas que entrariam para o rol de clássicos da banda ao lado de Quase sem Querer. Na sequência, em 1987, Que País É Este (1978 - 1987) retoma a defesa da ética na esfera pública, mas, a rigor, apesar de músicas como Eu Sei e Faroeste Caboclo terem soado como novas, trata-se de acerto de contas da banda com seu passado punk. O disco é antologia de músicas da banda Aborto Elétrico (1978 - 1982) e da breve fase solo de Russo como Trovador Solitário - músicas agrupadas e revividas em gravações inéditas feitas naquele ano de 1987 - que serviu para que a Legião cumprisse a obrigação contratual de lançar um álbum por ano e ganhasse tempo para compor o repertório de As Quatro Estações (1989), outro álbum arrebatador que retoma o tom contemplativo de Dois. Foi quando Russo, já se tornando uma espécie de Messias do pop brasileiro, pôs Deus no meio da discussão. Há Tempos, Monte Castelo e Pais e Filhos foram destaques de repertório recheado de citações bíblicas. Foi também quando Russo começou a dar pistas claras de sua homossexualidade na letra de Meninos e Meninas. Dado que já estaria implícito no cancioneiro do depressivo álbum seguinte, V (1991), trabalho marcado pela descoberta do vocalista de sua contaminação pelo vírus da Aids e pela revolta contra o confisco da poupança dos brasileiros pelo Plano Collor. O Teatro dos Vampiros, Vento no Litoral (símbolo da tristeza que pontua o álbum) e O Mundo Anda Tão Complicado (canção singela em que a relação a dois é o abrigo protetor) são destaques de repertório que ainda merece ser redescoberto. Na sequência, O Descobrimento do Brasil (1993) foi a tentativa da banda de conciliar a pegada roqueira do glorioso passado com os tons contemplativos do presente de então. Contudo, o álbum já expôs os primeiros sintomas de uma anemia criativa que se aprofundaria nos posteriores A Tempestade (1995) e Uma Outra Estação (1996), editados com intervalo de um ano, mas, a rigor, frutos das mesmas sessões de estúdio. Mas vale ressaltar que figura em A Tempestade uma das mais belas canções românticas da banda, Quando Você Voltar, resgatada por Leila Pinheiro neste ano de 2010 no CD em que aborda a obra de Russo. Mesmo que os três últimos discos não ostentem o alto nível de inspiração dos cinco primeiros, o conjunto da obra da Legião Urbana é digno de aplausos e, por sua forte personalidade, permanece como exemplo para grupos atuais que logo se deixam enquadrar no padrões assépticos ditados pelo mercado.

Lindemberg Lagarto/ Lord Lizard Dark Red disse...

É um excelente comentário sobre a grande obra da legião Urbana.
Mas devo corrigir 2 coisinhas, amigo: A Tempestade (que na minha opinião é o cd mais gótico da banda)
e Uma Outra Estação (que são sobras da Tempestade) foram lançados em 1996 e 1997 respectivamente.

Mas mesmo assim adorei o comentário. E que a Legião Urbana seja lembrada sempre.

FORÇA SEMPRE

Felipe dos Santos disse...

A princípio, seria um lançamento desnecessário. Para quê mais uma caixa - sendo que os avulsos já estavam aí, vendendo, e bem?

Talvez continue desnecessário. Mas, pelo certo luxo do tratamento gráfico dado à caixa e às embalagens digipack, fica sendo mais uma prova do valor que a Legião tem para a EMI. Justo: ainda é um dos carros-chefe da gravadora...

E o conteúdo musical continua elogiável. Ainda que, na minha opinião, a banda tenha ficado meio introspectiva demais, após "As Quatro Estações" - algo que deixou o repertório meio enjoativo.

De qualquer modo, o fecho do texto é primoroso. Diante do cenário anódino e inofensivo que tem o rock brasileiro hoje, a Legião é sempre uma lembrança importante.

Felipe dos Santos Souza

P.S. 1: Agora, que o design da caixa lembrou um pouco demais o "Closer", do Joy Division, lembrou... bem, a banda sempre rezou nessa cartilha "clean", diria Dado.

P.S. 2: Mauro acerta quando diz que o repertório de "V" merece ser redescoberto. "Metal contra as nuvens" e "A montanha mágica" estão entre as melhores coisas da Legião.

P.S. 3: É esperar que a EMI também faça algo semelhante com os Paralamas, outro estandarte da gravadora aqui no Brasil.

Felipe dos Santos Souza

lauro disse...

Lembro que o K-7 do álbum "Dois" trazia como bônus uma versão de Química, antes gravada pelos Paralamas, diferente daquela que apareceria depois no Que País é Esse. Acho que essa versão nunca apareceu em outro formato que não esse do K-7...

Mauro Ferreira disse...

Lindenberg, grato por me alertar do erro nas datas de lançamento dos dois últimos discos. Abs, MauroF

Unknown disse...

Mauro parabéns pela casa nova!
E a foto do canto direito do página mostra que você é um gato Mauro! [rs]

Abração e mais 4 anos e 4 anos e 4 anos....

Unknown disse...

eu acho o Descobrimento do Brasil um dos melhores albuns, discordo de vc que seja um dos menos criativos, mas tenho que concordar que "A tespestade" e "Uma outra estação" sao bem fracos perto dos outros. acho esta coleção um verdadeiro caça niquel, os cds estao ae por preços bem populares.

Ismael Angelus disse...

Concordo plenamente que uma remasterização seria muito bem vinda. Agora apesar de todo o 'feeling' relacionado ao projeto gráfico que contém fotos inéditas e ainda os textos de Cristina Fuscaldo, deveria ter sido levado em conta a aquisição de algum material sonoro inédito para tornar de fato, esse box algo verdadeiramente consistente. Infelizmente sabemos que a família Manfredini e os remanescentes membros da Legião não conseguem se acertar em relação à isso... E cá estamos novamente com (o perdão do trocadilho) "Mais do Mesmo."

P.S.
(O preço do Box (R$ 299,00) é deveras abusivo quando em separado pode-se obter a discografia da banda gastando menos de R$ 100,00.)

Unknown disse...

Bom, vamos lá. Antes de tudo, não concordo que o album "O descobrimento do Brasil" seja um album ruim. Está muito longe disso. Cara, tem musicas divinas, é um primor da reflexão da legião urbana.Depois do tenso V. Escute com atenção A fonte, La Nuova Gioventu, e me diga.Isso sem falar das que foram sucesso nas rádios. Fora as radiofônicas que tocam muito bem ainda nas radios, deste disco sim, Giz,os Anjos, Perfeição e por ai vai. Tenho que defender este trabalho, que realmente pra mim é um dos melhores da Legião, junto com As Quatro Estações e V, outro tambem que não concordo com a sua posição, mais respeito a mesma. Falar que "O Teatro dos Vampiros, Vento no Litoral (símbolo da tristeza que pontua o álbum) e O Mundo Anda Tão Complicado (canção singela em que a relação a dois é o abrigo protetor) são destaques de repertório que ainda merece ser redescoberto. REDESCOBERTO!!!!!!!!!!!!!!!!!!!, aonde??????? Estas músicas tocam até hoje nas fms.Mas valeu pelo texto, conciso e atuante.