Mauro Ferreira no G1

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quinta-feira, 6 de junho de 2013

'Sambabook' destaca livro que expõe alcance da obra genial de Martinho

Resenha de CD, DVD, blu-ray, livro e fichário com partituras
Título: Sambabook Martinho da Vila
Artista: Vários
Gravadora: Musickeria / Som Livre
Cotação: * * * 

Embora seja essencialmente composta pelo samba, nas várias modalidades do gênero, a obra de Martinho da Vila é pautada por diversidade rítmica somente perceptível para quem conhece todos os álbuns deste genial compositor fluminense nascido há 75 anos em Duas Barras (RJ). Por isso mesmo, a Discobiografia escrita pelo jornalista carioca Hugo Sukman é o item mais interessante do Sambabook Martinho da Vila, projeto que engloba fichário com partituras de 60 músicas do compositor, dois CDs com gravações inéditas de 25 sucessos do artista (à venda de forma avulsa e também em edição dupla), DVD (com os registros audiovisuais de todas as gravações) e blu-ray. É que, nos textos que contextualizam cada álbum de Martinho no livro de Sukman, a diversidade dessa obra singular é reiterada a cada capítulo. A Discobiografia do cantor expõe o conceito e a integridade que sempre guiaram a obra de Martinho da Vila - mesmo na confecção do único álbum, Tá delícia, tá gostoso (Sony Music, 1995), que teve sua ideia e repertório negociados pelo artista com  gravadora. Apesar da excelência do livro, os produtos mais populares do segundo volume da série Sambabook - o primeiro volume foi dedicado a João Nogueira (1941 - 2000) e lançado em 2012 - são os CDs e o DVD com os registros das abordagens da obra de Martinho feitas sob a (conservadora) direção musical de Alceu Maia por elenco heterogêneo em que se sentem ausências justificáveis (como a de Beth Carvalho, hospitalizada há meses no Rio para tratamento de grave problema de coluna) e injustificáveis (a de Alcione, por exemplo). Feita sob a direção artística de Afonso Carvalho, a seleção do repertório prioriza sambas conhecidos e, embora o grau de sedução das gravações seja oscilante, o resultado é bom, no todo. Destaque do elenco do CD 1, Paulinho da Viola imprime sua nobreza em Quem é do mar não enjoa (Martinho da Vila, 1969) com direito ao improviso dos versos "Sou Paulinho da Viola / Marceneiro do lugar". Confirmando sua crescente evolução como intérprete, Diogo Nogueira sensualiza na medida certa Queria tanto lhe ver (Martinho da Vila e Nelson Rufino, 1991), tirando o samba da roda baiana. Já Luiz Melodia não dá o sangue pela obra-prima Disritmia (Martinho da Vila, 1974) enquanto Paula Lima surpreende ao dosar seus maneirismos vocais de cantora de baile black para expor a beleza melódica de Grande amor (Martinho da Vila, 1968), samba lançado por Clara Nunes (1942 - 1983) em gravação pouco ouvida do álbum Você passa e eu acho graça (1968). João Donato é outra boa surpresa, cantando com voz cheia de bossa, bem colocada, Meu laiá-raiá (Martinho da Vila, 1970), faixa-título do segundo LP de Martinho, álbum que frustrou as expectativas comerciais da gravadora RCA em 1970, mas que consolidou o estilo e a personalidade de Martinho. Se Pedro Luís soa eficaz em Pra que dinheiro? (Martinho da Vila, 1968), grande sucesso do primeiro álbum solo do compositor, Pitty entra sem ginga na Roda ciranda (Martinho da Vila, 1984). Na sequência, Toni Garrido se impõe como a outra grande boa surpresa do disco 1, estando à vontade no terreiro para cantar o afro-samba Deixa a fumaça entrar (Martinho da Vila e Beto sem Braço, 1979), joia de Terreiro, sala e salão, álbum de 1979 creditado na Discobiografia como sendo de 1971 por erro de revisão. Na sequência, Tunico da Vila - criado na casa do bamba parterno - segue a rota fluminense de Meu off Rio (Martinho da Vila, 1994) enquanto Ana Costa dá voz a Odilê, odilá (1986), parceria bissexta de Martinho com João Bosco, destaque do CD 2 com sua interpretação precisa de Menina moça (Martinho da Vila, 1967), partido alto que deu impulso à carreira do sambista de Duas Barras (RJ) em festival de 1967. Também à vontade na casa do bamba, Marcelinho Moreira faz pulsar o suingue de Na minha veia (Martinho da Vila e Zé Katimba, 2009), o samba mais recente da seleção feita para o Sambabook, tendo sido lançado por Simone há quatro anos. Sem inventar moda, o grupo carioca Casuarina expõe toda a beleza melódica e poética do samba-enredo Pra tudo se acabar na quarta-feira (Martinho da Vila, 1984), exemplo de como Martinho soube renovar o gênero, tornando-o mais coloquial e menos empostado. Tom maior (Martinho da Vila, 1969) faz o anfitrião entrar em cena ao lado da Orquestra Petrobrás Sinfônica na (bela) gravação de maior ousadia estilística do projeto. No CD 2, Ney Matogrosso cai bem no samba no registro expansivo de Ex-amor (Martinho da Vila, 1981). Nascida e criada na casa do bamba, a filha Mart'nália manda bem ao reviver Segure tudo (Martinho da Vila, 1971) enquanto sua meia-irmã Maíra Freitas dá boa voz a um dos sambas mais bonitos e menos ouvidos do repertório do Sambabook, Fim de reinado, lançado em 1969 pelo cantor carioca Roberto Silva e regravado em 1973 por Beth Carvalho e pelo próprio Martinho da Vila. Leci Brandão também parece da família quando remonta Casa de bamba (Martinho da Vila, 1969). Em contrapartida, os cantos de Elza Soares e Jair Rodrigues soam sem o viço de tempos idos, esmaecendo os registros de Madalena do Jucú (tema folclórico adaptado por Martinho da Vila, 1989) e Amor não é brinquedo (Martinho da Vila e Candeia, 1978). Na voz de Dorina, Filosofia de vida (Martinho da Vila, Marcelinho Moreira e Fred Camacho, 2008) é outro samba recente que mostra que a obra de Martinho da Vila está em constante movimento, ainda que a produção autoral do compositor já seja mais escassa. Contudo, mesmo que não fizesse mais nada daqui por diante, o compositor já estaria imortalizado na linha de frente da música brasileira por sambas como Renascer das cinzas (Martinho da Vila, 1974) - defendido por Moyseis Marques - e o samba-enredo Sonho de um sonho (Martinho da Vila, 1980), obra-prima do gênero para a qual Fernanda Abreu pede passagem com propriedade e com a Bateria da Vila Isabel. Enfim, Martinho da Vila é gênio. E a grandeza de sua obra é tamanha que nem cabe nos múltiplos produtos deste bom Sambabook.

8 comentários:

Mauro Ferreira disse...

Embora seja essencialmente composta pelo samba, nas várias modalidades do gênero, a obra de Martinho da Vila é pautada por diversidade rítmica somente perceptível para quem conhece todos os álbuns deste genial compositor fluminense nascido há 75 anos em Duas Barras (RJ). Por isso mesmo, a Discobiografia escrita pelo jornalista carioca Hugo Sukman é o item mais interessante do Sambabook Martinho da Vila, projeto que engloba fichário com partituras de 60 músicas do compositor, dois CDs com gravações inéditas de 25 sucessos do artista (à venda de forma avulsa e também em edição dupla), DVD (com os registros audiovisuais de todas as gravações) e blu-ray. É que, nos textos que contextualizam cada álbum de Martinho no livro de Sukman, a diversidade dessa obra singular é reiterada a cada capítulo. A Discobiografia do cantor expõe o conceito e a integridade que sempre guiaram a obra de Martinho da Vila - mesmo na confecção do único álbum, Tá delícia, tá gostoso (Sony Music, 1995), que teve sua ideia e repertório negociados pelo artista com gravadora. Apesar da excelência do livro, os produtos mais populares do segundo volume da série Sambabook - o primeiro volume foi dedicado a João Nogueira (1941 - 2000) e lançado em 2012 - são os CDs e o DVD com os registros das abordagens da obra de Martinho feitas sob a (conservadora) direção musical de Alceu Maia por elenco heterogêneo em que se sentem ausências justificáveis (como a de Beth Carvalho, hospitalizada há meses no Rio para tratamento de grave problema de coluna) e injustificáveis (a de Alcione, por exemplo). Feita sob a direção artística de Afonso Carvalho, a seleção do repertório prioriza sambas conhecidos e, embora o grau de sedução das gravações seja oscilante, o resultado é bom, no todo. Destaque do elenco do CD 1, Paulinho da Viola imprime sua nobreza em Quem é do mar não enjoa (Martinho da Vila, 1969) com direito ao improviso dos versos "Sou Paulinho da Viola / Marceneiro do lugar". Confirmando sua crescente evolução como intérprete, Diogo Nogueira sensualiza na medida certa Queria tanto lhe ver (Martinho da Vila e Nelson Rufino, 1991), tirando o samba da roda baiana. Já Luiz Melodia não dá o sangue pela obra-prima Disritmia (Martinho da Vila, 1974) enquanto Paula Lima surpreende ao dosar seus maneirismos vocais de cantora de baile black para expor a beleza melódica de Grande amor (Martinho da Vila, 1968), samba lançado por Clara Nunes (1942 - 1983) em gravação pouco ouvida do álbum Você passa e eu acho graça (1968). João Donato é outra boa surpresa, cantando com voz cheia de bossa, bem colocada, Meu laiá-raiá (Martinho da Vila, 1970), faixa-título do segundo LP de Martinho, álbum que frustrou as expectativas comerciais da gravadora RCA em 1970, mas que consolidou o estilo e a personalidade de Martinho. Se Pedro Luís soa eficaz em Pra que dinheiro? (Martinho da Vila, 1968), grande sucesso do primeiro álbum solo do compositor, Pitty entra sem ginga na Roda ciranda (Martinho da Vila, 1984). Na sequência, Toni Garrido se impõe como a outra grande boa surpresa do disco 1, estando à vontade no terreiro para cantar o afro-samba Deixa a fumaça entrar (Martinho da Vila e Beto sem Braço, 1979), joia de Terreiro, sala e salão, álbum de 1979 creditado na Discobiografia como sendo de 1971 por erro de revisão. Na sequência, Tunico da Vila - criado na casa do bamba parterno - segue a rota fluminense de Meu off Rio (Martinho da Vila, 1994) enquanto Ana Costa dá voz a Odilê, odilá (1986), parceria bissexta de Martinho com João Bosco, destaque do CD 2 com sua interpretação precisa de Menina moça (Martinho da Vila, 1967), partido alto que deu impulso à carreira do sambista de Duas Barras (RJ) em festival de 1967. Também à vontade na casa do bamba, Marcelinho Moreira faz pulsar o suingue de Na minha veia (Martinho da Vila e Zé Katimba, 2009), o samba mais recente da seleção feita para o Sambabook, tendo sido lançado por Simone há quatro anos.

Mauro Ferreira disse...

Sem inventar moda, o grupo carioca Casuarina expõe toda a beleza melódica e poética do samba-enredo Pra tudo se acabar na quarta-feira (Martinho da Vila, 1984), exemplo de como Martinho soube renovar o gênero, tornando-o mais coloquial e menos empostado. Tom maior (Martinho da Vila, 1969) faz o anfitrião entrar em cena ao lado da Orquestra Petrobrás Sinfônica na (bela) gravação de maior ousadia estilística do projeto. No CD 2, Ney Matogrosso cai bem no samba no registro expansivo de Ex-amor (Martinho da Vila, 1981). Nascida e criada na casa do bamba, a filha Mart'nália manda bem ao reviver Segure tudo (Martinho da Vila, 1971) enquanto sua meia-irmã Maíra Freitas dá boa voz a um dos sambas mais bonitos e menos ouvidos do repertório do Sambabook, Fim de reinado, lançado em 1969 pelo cantor carioca Roberto Silva e regravado em 1973 por Beth Carvalho e pelo próprio Martinho da Vila. Leci Brandão também parece da família quando remonta Casa de bamba (Martinho da Vila, 1969). Em contrapartida, os cantos de Elza Soares e Jair Rodrigues soam sem o viço de tempos idos, esmaecendo os registros de Madalena do Jucú (tema folclórico adaptado por Martinho da Vila, 1989) e Amor não é brinquedo (Martinho da Vila e Candeia, 1978). Na voz de Dorina, Filosofia de vida (Martinho da Vila, Marcelinho Moreira e Fred Camacho, 2008) é outro samba recente que mostra que a obra de Martinho da Vila está em constante movimento, ainda que a produção autoral do compositor já seja mais escassa. Contudo, mesmo que não fizesse mais nada daqui por diante, o compositor já estaria imortalizado na linha de frente da música brasileira por sambas como Renascer das cinzas (Martinho da Vila, 1974) - defendido por Moyseis Marques - e o samba-enredo Sonho de um sonho (Martinho da Viola, 1980), obra-prima do gênero para a qual Fernanda Abreu pede passagem com propriedade e com a Bateria da Vila Isabel. Enfim, Martinho da Vila é gênio. E a grandeza de sua obra é tamanha que nem cabe nos múltiplos produtos deste bom Sambabook.

Marcelo Barbosa disse...

Eu achei que deixou a desejar este segundo volume do sambabook principalmente pela escolha equivocada de alguns intérpretes.
Eu destaco pouco coisa, só curti mesmo o Diogo Nogueira que fugiu da mesmice de regravar sempre as mesmas músicas e as regravações dos sambas enredos da Vila Isabel pelo Casuarina e pela Fernanda Abreu.
Esqueci da Maíra Freitas que regravou bem o Fim de Reinado (meu caro crítico, minha Rainha também o regravou em 1991, no disco ao vivo no Olímpia).
Abs e eu espero que Beth Carvalho e Dona Ivone Lara sejam as próximas discografias revisitadas. Alô Afonso de Carvalho, anota aí!!

Dona Emengarda disse...

E porque a Beth Carvalho entraria nesse projeto dedicado a compositores?

Káyon disse...

Quando vi a relação de intérpretes, também senti falta da Beth e da Alcione. Infelizmente a ausência da Beth se justifica, mas a Marrom, com a sua peculiar musicalidade, é sempre esperada num projeto de samba. Aliás, entre as vozes femininas do Sambabook do João Nogueira, foi dela a melhor gravação.

Elza Soares também vem enfrentando problemas de saúde, o que talvez justifique a falta de tônus neste projeto da maior sambista de todos os tempos da nossa MPB.

No mais, é saudar Martinho e sua obra monumental.

Rafael disse...

Achei também que esse segundo projeto deixou a desejar... Tomara que o do Paulinho da Viola seja melhor!!!

Marcelo disse...

Saudades de Almir Chediak!!!!

Luis disse...

Olá, Mauro! Duas correções numa mesma canção:

"Sonho de um sonho" é de Martinho da Vila, Rodolfo e Graúna. E é "da Vila", e não "da Viola".

No mais, fiquei curioso pra conhecer esse trabalho. =)